Domingo é dia de feira em Toritama. A feira acontece em novo horário, por conta de restrições para conter o contágio do coronavírus, decretadas pelo Governo do Estado: das 8 às 17h. O movimento está menor do que na primeira fase da pesquisa de campo. Há menos gente e menos trânsito, apesar de ter muitos ônibus, de vários lugares do Brasil: Bahia, Minas, Pará, Piauí, Ceará, Alagoas… Muitas pessoas usam máscaras de maneira irregular, deixando nariz ou nariz e boca de fora. O calor é grande e o movimento de clientes é fraco, apesar dos feirantes terem comparecido em peso.
Observando os ônibus, conversamos com Izaura, uma senhora que fica na porta do veículo, organizando pedidos e entregas. Ela conta que o ônibus não pode mais vir cheio e que muita gente deixou de vir para fazer encomendas pela internet ou telefone. Os pedidos são entregues pelos confeccionistas diretamente aos organizadores das excursões, que têm esse trabalho extra de conferir e organizar o material.
Izaura é natural de Santos (SP), mas se criou no Brás, na capital paulista, e morou por muito tempo em Santa Cruz do Capibaribe. Hoje mora em Teixeira de Freitas, na Bahia, de onde sai a excursão que ela está organizando. Ela conta que essa é sua primeira excursão. Antes, trabalhava com vendas. O ônibus que sai de Teixeira de Freitas traz lojistas e sacoleiros do Espírito Santo, da Bahia e de Minas Gerais. Ela acha Santa Cruz e Toritama verdadeiros oásis, lugares fantásticos onde circula muito dinheiro e muita gente faz negócio. Ela acha que essas feiras são melhores do que o Braz. Ela conta que, para convencer as pessoas a virem comprar aqui, mostra um vídeo do Moda Center de Santa Cruz, que ela considera muito impressionante. Me disse que dá pra achar esse vídeo facilmente no youtube. Izaura prefere o Moda Center ao Parque das Feiras de Toritama porque é mais organizado, principalmente o estacionamento. Ela é apaixonada pela feira e diz, achando muito incrível a complexidade e o tamanho daquilo tudo, que "a indústria… o pequeno empreendedor é a mola que impulsiona a indústria". Fica fascinada em ir pra Santa Cruz, andar pela cidade de madrugada e escutar o som das máquinas de costura de dentro das casas.
Franciele aparece no filme "Estou me guardando pra quando o carnaval chegar". Ela é dona de uma facção e uma confecção. Nesse tempo, ela teve um filho, Miguel. E veio à feira só dar uma olhada, porque quem está à frente das vendas agora é o marido. Por enquanto, ela tem ficado em casa com Miguel. Franciele disse que o movimento está muito fraco, mas não pode desanimar. Ela continua frequentando a igreja evangélica aos domingos. Disse que, na época do lockdown, foi muito difícil para todo mundo, mas alguns sofreram mais. A igreja não ajudou ninguém. Quem precisou, recebeu mais ajuda dos ricos. Segundo ela, um homem conhecido como Jorge da Major foi quem mais fez doações de cestas básicas na pandemia. Ele é de Taquaritinga, mas tem uma banca de jogo, a Major Sports - que existe em várias cidades - e é amigo de Wesley Safadão. Franciele conta que sua mãe é de Vertentes, e está bem. O pai, ela não tem contato há tempos. Franciele tem medo que alguém da família se contamine com o vírus e morra, principalmente os mais velhos. Mas diz que Deus a ama e é fiel a ela, por isso, não vai passar necessidade. Ela não tem medo da crise econômica, de passar fome, porque tem uma família muito unida, de 9 irmãos. Só ela e mais 2 trabalham com jeans, alguns moram em Vertentes, outros Caruaru. Não vai tomar vacina porque não confia na vacina. Ela acredita que os números divulgados na mídia são falsos. O futuro a Deus pertence, mas gostaria que todo mundo ficasse com saúde e as coisas voltassem ao normal.
Depois da feira, fomos à Vila Canaã, assistir ao culto da Assembleia de Deus e conhecer o pastor, para saber a visão da igreja sobre a pandemia. Infelizmente, ele não apareceu neste dia. O culto mudou de horário. Antes era das 19 às 22h, todo domingo. Agora, vai ser das 17 às 19h. A esposa de Mikael surge toda arrumada para o culto. Encontramos a tia-avó de Mikael, que é romeira: ela vai para o Juazeiro 3 vezes por ano para ver a estátua do Padre Cícero. Disse que a vida toda já foi mais de 100 vezes lá. Relembra da vez que levou Mikael e eles andaram muito, até o alto de uma montanha. Mikael diz que tem saudade dessas viagens com a tia-avó.
Mikaele é a primeira a entrar na igreja. Algumas mulheres se revezam para organizar o culto. Isabele chega com seu filho mais novo, Davi. Gabriel, o menino que cantava as músicas evangélicas em 2017 cresceu um pouco, mas não mudou quase nada. Ele tem um irmão mais novo, apenas um ano mais novo, chamado Dom. Gabriel diz que não vai para o culto e não gosta mais da igreja. Isabele o repreende. Mikael ri. Isabele tem uma boa aparência, eu pergunto como ela está. Ela diz sorrindo que quem se ajoelha aos pés do senhor fica bem, depois me diz que ela está assim só por fora: quem me vê assim por fora não imagina como estou por dentro. Mas a gente tem que fazer força e ficar bem. Ela diz que não se preocupa em passar fome, ficar sem dinheiro, mesmo com 5 filhos e o marido vivendo de bicos. Ela confia em Deus acima de tudo. Mikael não vai à igreja.
Enquanto as mulheres se organizam para ir ao culto, um homem, de dentro da casa de Dona Maria, faz piadas e provocações. Chama a esposa e pede que ela traga a cestinha do pastor pra ele no final. Ele é casado com a tia de Mikael. Diz que os pastores se aproveitam e questiona "por que igreja precisa de dinheiro? Jesus precisa de dinheiro pra quê?" Não gosta de igreja, mas se a mulher dele gosta, o que pode fazer? Ele trabalha com jeans. Diz que é dono de uma confecção.
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